Leia a carta de Barroso na íntegra: EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO, DA DEMOCRACIA E DA JUSTIÇA Luís Roberto Barroso
Em 9 de julho último, foram anunciadas sanções que seriam
aplicadas ao Brasil, por um tradicional parceiro comercial, fundadas em
compreensão imprecisa dos fatos ocorridos no país nos últimos anos.
Cabia ao Executivo e, particularmente, à Diplomacia – não ao Judiciário –
conduzir as respostas políticas imediatas, ainda no calor dos acontecimentos.
Passada a reação inicial, considero de meu dever, como chefe
do Poder Judiciário, proceder à reconstituição serena dos fatos relevantes da
história recente do Brasil e, sobretudo, da atuação do Supremo Tribunal
Federal.
As diferentes visões de mundo nas sociedades abertas e
democráticas fazem parte da vida e é bom que seja assim. Mas não dão a ninguém
o direito de torcer a verdade ou negar fatos concretos que todos viram e
viveram.
A democracia tem lugar para conservadores, liberais e
progressistas. A oposição e a alternância no poder são da essência do regime.
Porém, a vida ética deve ser vivida com valores, boa-fé e a busca sincera pela
verdade. Para que cada um forme a sua própria opinião sobre o que é certo,
justo e legítimo, segue uma descrição factual e objetiva da realidade.
Começando em 1985, temos 40 anos de estabilidade
institucional, com sucessivas eleições livres e limpas e plenitude das
liberdades individuais. Só o que constitui crime tem sido reprimido. Não se
deve desconsiderar a importância dessa conquista, num país que viveu, ao longo
da história, sucessivas quebras da legalidade constitucional, em épocas
diversas.
Essas rupturas ou tentativas de ruptura institucional
incluem, apenas nos últimos 90 anos: a Intentona Comunista de 1935, o golpe do
Estado Novo de 1937, a destituição de Getúlio Vargas em 1945, o
contragolpe preventivo do Marechal Lott em 1955, a destituição de João Goulart
em 1964, o Ato Institucional nº 5 em1968, o impedimento à posse de Pedro Aleixo
e a outorga de uma nova Constituição em 1969, os anos de chumbo até 1973 e o
fechamento do Congresso, por Geisel, em 1977. Levamos muito tempo para superar
os ciclos do atraso.
A preservação do Estado democrático de direito tornou-se um
dos bens mais preciosos da nossa geração. Mas não foram poucas as ameaças.
Nos últimos anos, a partir de 2019, vivemos episódios que
incluíram: tentativa de atentado terrorista a bomba no aeroporto de Brasília;
tentativa de invasão da sede da Polícia Federal; tentativa de explosão de
bomba no Supremo Tribunal Federal (STF); acusações falsas de fraude eleitoral
na eleição presidencial; mudança de relatório das Forças Armadas que havia
concluído pela ausência de qualquer tipo de fraude nas urnas eletrônicas;
ameaças à vida e à integridade física de Ministros do STF, inclusive com pedido
de impeachment; acampamentos de milhares de pessoas em portas de quartéis
pedindo a deposição do presidente eleito.
E, de acordo com denúncia do Procurador-Geral da República,
uma tentativa de golpe que incluía plano para assassinar o Presidente da
República, o Vice e um Ministro do Supremo. Foi necessário um tribunal
independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em
vários países do mundo, do Leste Europeu à América Latina.
As ações penais em curso, por crimes diversos contra o Estado
democrático de direito, observam estritamente o devido processo legal, com
absoluta transparência em todas as fases do julgamento. Sessões públicas,
transmitidas pela televisão, acompanhadas por advogados, pela imprensa e pela
sociedade.
O julgamento ainda está em curso. A denúncia da Procuradoria
da República foi aceita, como de praxe em processos penais em qualquer
instância, com base em indícios sérios de crime. Advogados experientes e
qualificados ofereceram o contraditório. Há nos autos confissões, áudios,
vídeos, textos e outros elementos que visam documentar os fatos. O STF vai
julgar com independência e com base nas evidências. Se houver provas, os
culpados serão responsabilizados. Se não houver, serão absolvidos. Assim
funciona o Estado democrático de direito.
Para quem não viveu uma ditadura ou não a tem na memória,
vale relembrar: ali, sim, havia falta de liberdade, tortura, desaparecimentos
forçados, fechamento do Congresso e perseguição a juízes. No Brasil de
hoje, não se persegue ninguém. Realiza-se a justiça, com base nas provas e
respeitado o contraditório.
Como todos os Poderes, numa sociedade aberta e democrática, o
Judiciário está sujeito a divergências e críticas. Que se manifestam todo o
tempo, sem qualquer grau de repressão. Ao lado das outras instituições, como o
Congresso Nacional e o Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal tem
desempenhado com sucesso os três grandes papeis que lhe cabem: assegurar o
governo da maioria, preservar o Estado democrático de direito e proteger os
direitos fundamentais.
Por fim, cabe registrar que todos os meios de comunicação,
físicos e virtuais, circulam livremente, sem qualquer forma de censura. O STF
tem protegido firmemente o direito à livre expressão: entre outras
decisões, declarou inconstitucionais a antiga Lei de Imprensa, editada no
regime militar (ADPF 130), as normas eleitorais que restringem o humor e as
críticas a agentes políticos durante as eleições (ADI 4.1451), bem como as que
proibiam a divulgação de biografias não autorizadas (ADI 4815). Mais
recentemente, assegurou proteção especial a jornalistas contra tentativas de
assédio pela via judicial (ADI 6792).
Chamado a decidir casos concretos envolvendo as plataformas
digitais, o STF produziu solução moderada, menos rigorosa que a regulação
europeia, preservando a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a
liberdade de empresa e os valores constitucionais. Escapando dos extremos,
demos um dos tratamentos mais avançados do mundo ao tema: conteúdos veiculando
crimes em geral devem ser removidos por notificação privada; certos conteúdos
envolvendo crimes graves, como pornografia infantil e terrorismo devem ser
evitados pelos próprios algoritmos; e tudo o mais dependerá de ordem judicial,
inclusive no caso de crimes contra honra.
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/veja-a-integra-da-carta-de-barroso-em-resposta-a-trump/
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